Em matéria automóvel, tudo começou com a produção de um pequeno quadriciclo com motor Daimler (Foto: Arquivo Peugeot)

Alguém de apelido Peugeot, na Europa, é imediatamente associado com a marca de automóveis que tem o leão por símbolo. Não é assim em todo o mundo, numa prova de que está longe de ser um acaso o facto de a marca ter podido celebrar 200 anos, o dobro da idade do automóvel. E um episódio passado, há poucos anos, num dos mais luxuosos restaurantes de Tóquio, ilustra bem a grande força da Peugeot e a dimensão que lhe empresta a sua história invulgar. Os anfitriões da cena japonesa, figuras de proa da indústria automóvel nipónica, perante tão ilustre convidado, como um dos elementos da família Peugeot, ainda hoje ligados ao destino da marca, entenderam que o ‘chef’ do restaurante devia vir à mesa. Feitas as apresentações e bem repetido o nome do visitante, Peugeot, o ‘chef’ pediu um minuto e ausentou-se. Voltou sorridente com um moinho de pimenta Peugeot na mão, apontando e repetindo o nome: “Peugeot, Peugeot!!!”

A história, que me foi contada com orgulho por Christian Peugeot, protagonista da cena, é a razão de ser daquilo que há meia dúzia de anos se celebrou como a Aventura Peugeot e se encontra plasmada num interessante museu em Sochaux, onde se apreende a dimensão da história fantástica de uma marca criada por dois primos visionários ligados a uma impressionante corrida industrial que os levou a produzir de tudo um pouco.

Os moinhos de pimenta – e de sal -, hoje famosos em todo o mundo, primeiro até os moinhos de café, são apenas uma de milhentas actividades desenvolvidas pela Peugeot: serras de fita, ferramentas, crinolinas, varetas de chapéu de chuva, máquinas de costura, armações de espartilho, espingardas e projécteis, baionetas, bicicletas são algumas das realizações que marcam o primeiro centenário da marca nascida em 1810 a partir da transformação de um moinho de cereais numa fundição de aço.

A visão dos Peugeot e a sua invulgar capacidade de adaptação às mudanças e aos desafios levou-os a negociar com sucesso as mudanças do ciclo da bicicleta e da moto (1886) e posteriormente a era do automóvel (1891) que transformou o mundo

O crescimento da actividade implicou o desenvolvimento de novas capacidades de fabricação a partir de Franche-Conté, verdadeiro berço da marca, até Sochaux, no este da França, paredes meias com Suíça e Alemanha, vizinhança aproveitada para exaltar outros valores como rigor e qualidade. Daí também, muito mais tarde, o fabrico de máquinas de lavar-loiça e roupa, rádios, inúmeros eletrodomésticos…

A visão dos Peugeot e a sua invulgar capacidade de adaptação às mudanças e aos desafios levou-os a negociar com sucesso as mudanças do ciclo da bicicleta e da moto (1886) e posteriormente a era do automóvel (1891) que transformou o mundo. Pelo caminho ficavam também pequenos motores fora-de-borda, e propulsores de avião ligados aos primórdios da aventura do voo que nos surpreendem no mundo maravilhoso do museu de Sochaux, convite a uma viagem por uma história de criatividade, oportunidade e audácia feita com 450 automóveis, 350 motos e bicicletas, mais de três mil objectos e ainda um espólio documental e iconográfico constituído por mais de dois milhões de peças. E pela memória de uma decisão marcante tomada em 1858: a escolha do leão como símbolo a partir de uma analogia com as serras: a resistência dos dentes, a suavidade da lâmina e a rapidez do corte…

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A aventura do automóvel começou com a produção de um pequeno quadriciclo a gasolina, equipado com um motor Daimler, que recebeu o nome de código de Type 2. A partir daí, há uma história que contempla diversos marcos. Um dos mais curiosos a autoria do conceito do coupé cabriolet, o descapotável com um tejadilho escamoteável em aço, lançado nos anos 30 no Peugeot 401 Eclipse, precursor do pequeno 206 CC que vendeu 700 mil unidades e de uma geração de automóveis que se tem multiplicado e criou seguidores noutras marcas.

Mas há mais: as rodas dianteiras independentes, solução importante no desenvolvimento dos níveis de comodidade no automóvel, foram estreadas no Peugeot 201, em 1929, e implicaram uma nova preocupação em matéria das ligações ao solo e na relação conforto/eficácia. Essa influência estende-se aos dias de hoje, com a marca a ser a única que ainda produz os amortecedores montados nos seus modelos. O 201 representa outro marco – as designações com três algarismos: o primeiro, indicando a família e o seu posicionamento na gama; o segundo, sistematicamente um 0, elo de ligação entre a família e a geração, identificada pelo terceiro algarismo. Só em 2004 surgiram os quatro algarismos (para modelos de extensão da gama) e as letras: CC, para Coupé Cabriolet, SW para a silhueta família-lazer, Tepee para os chamados ‘ludospace’ ou nos modelos emblemáticos como o desportivo RCZ.

Outra associação impossível de esquecer é a ligação ao Diesel, proposto pela primeira vez num modelo de grande série no “velho” 403 – o primeiro carro da marca a ultrapassar o milhão de unidades vendidas. Foi também a Peugeot a primeira a utilizar uma motorização turbodiesel (604, em 1975) e a revolucionar com o lançamento do  filtro de partículas, decisivo para um desempenho mais limpo dos motores que usam o gasóleo como combustível.O pioneirismo da Peugeot está igualmente ligado aos veículos eléctricos. Em 1941, em plena II Guerra Mundial, a Peugeot desenvolveu o original VLV, um pequeno citadino de motor eléctrico do qual várias centenas de exemplares circularam nas ruas de Paris. A aventura continua hoje e já conheceu conhece vários “capítulos”. Um dos mais ricos está ligado ao mundo dos veículos de duas rodas. Tem a marca do leão, por exemplo, a primeira scooter em plástico, a primeira scooter com um sistema de travagem ABS, a primeira scooter eléctrica (1996) e a primeira scooter com um motor sobrealimentado. É uma história que enriquece outro facto marcante: mais de 110 anos após o nascimento da primeira moto Peugeot, a marca continua presente e a sua experiência singular permite-lhe reivindicar o título de mais antigo construtor de veículos motorizados de duas rodas em todo o mundo.

Impressionante é saber como tudo isso começou. É pensar como a ousadia de dois homens resultou numa marca que não pára de crescer e criou até um grupo que se tornou um do mais fortes na Europa do automóvel.