Nada parava o Land Rover 110, sempre indiferente aos avisos da presença de elefantes e quase incomodado quando o caminho era pelo alcatrão...
O Land Rover Defender 110 foi um dos meus companheiros de viagem em várias incursões por terras africanas, quando o Alexandre Correia, através da sua “Todo-Terreno”, arrastava com ele quem tinha o gosto pela aventura. O “110” é um «histórico», um daqueles veículos que continuamos a associar ao conceito do jipe – puro e duro! E é sempre pouco tudo quanto se diga para evocar este inacreditável 4×4.
Foram e vieram os chamados jipes, a parada foi sempre subindo, na filosofia, no conforto, no motor, com ajuda da eletrónica que revolucionou as capacidades e a facilidade de utilização destes veículos. Tanto que a imagem do jipe, hoje em dia, nem consegue afastar-se da ideia do grande automóvel em que todos pensam quando se trata de evidenciar estatuto, sonhar com viagens, comodidade, força e resistência. Luxo sobre rodas! E a marca britânica acompanhou os tempos e é um dos expoentes disso mesmo.
Passaram os anos, muitos anos, tantos que estávamos em 1998. A tecnologia não tinha deixado de evoluir, esperava-se então, como hoje, sempre mais, mas, no fundo, quando se utilizava o «velho» Defender 110, mesmo que ele fosse quase a antítese da ideia que começava a prevalecer do conceito do veículo todo-o-terreno, era difícil não o «aceitar», «perceber» e elogiar. E mais: admitir que era uma dor de cabeça substitui-lo – aquilo de que se falou durante um eternidade e que esteve outra eternidade em fase de estudo. E que, diz-se, será concretizado em 2018 num Defender de filosofia completamente diferente, a produzir na Eslováquia
Duro, pouco confortável, alto e bamboleante, pesado, verdadeiro “armário” com rodas, potente mas nem por isso brilhante – usamos então um V8 de 136 cv – impondo naturais cuidados na condução – era ainda austero e simples ao ponto de quase não poder mais, o Land Rover Defender 110 nem por isso deixava de ser um jipe de se lhe tirar o chapéu.

Mesmo se tivesse problemas, o Defender 110 era aquele carro capaz de deixar que, com um mínimo de engenho e arte, se vencesse a dificuldade

Daquela vez, o carro que nos coube em sorte nem tinha problemas. A caixa «dispensava» as duplas, não havia fugas de óleo, a temperatura não subia, funcionava tudo – até o indicador da gasolina «entrar de greve». Só o ar condicionado – e em África dá sempre um jeitão – foi, de princípio a fim, motivo de crítica.
Mesmo se tivesse problemas, o Defender 110 era aquele carro capaz de deixar que, com um mínimo de engenho e arte, se vencesse a dificuldade. O nosso amigo Jan, sul-africano rendido à Namíbia, companheiro de outras aventuras africanas e líder da caravana, confirmou-o então quando, perante o gozo geral, com um pedaço de câmara de ar, um arame e um canivete suíço resolveu inopinado problema de sobreaquecimento. Primeiro, segunda… aí vai ele. E pronto!
Rude e espartano, mais simples não podia ser, mas foi sempre um grande companheiro de viagem, pronto para todos os desafios quando a eletrónica era quase ficção automobilística
Rude e espartano, mais simples não podia ser, mas foi sempre um grande companheiro de viagem, pronto para todos os desafios quando a eletrónica era, muitas vezes, dor de cabeça pelas partidas que pregava
Uma semana a pingar óleo
Um ano depois, andávamos pelos mesmo caminhos, outra vez com um “110”.
Velhinho, o nosso companheiro registava 150 mil quilómetros percorridos, mas, como o respetivo contador não funcionava, dificilmente poderia imaginar-se quantas horas de trabalho levava aquele motorzão, verdadeiro poço de força. Muitos mais quilómetros, com certeza, tantos como os que se concebem nas distâncias africanas.
Pouco cuidado, assistência despreocupada, o Land Rover chegou às nossas mãos em estado de inspirar algumas preocupações… em matéria de transmissão. Tudo, porém, se resolvia neste com o recurso à «dupla» nas passagens de caixa (às vezes concretizadas pelo “pendura”…) e tudo ficou aparentemente resolvido depois de uns «apertos» do mecânico namibiano que, numa noite, em Swakopmund, pôs toda a caravana em forma.
Daí em diante, o nosso companheiro portou-se garbosamente, apesar do óleo que pingava – e pingou sempre durante uma semana… -, mas que o mecânico assegurou ser resultado de uma fuga “sem importância”. E disse-o logo ao segundo dia de viagem, quando havia pela frente uns milhares de quilómetros a percorrer e em condições de grande exigência.
Ninguém conseguiu esconder alguma preocupação pelo facto, apesar do ar descontraído do mecânico. Mas a verdade é que, com o tempo, fomos percebendo que o Defender estava mesmo ali para as curvas e não havia nada que o parasse. Nem naquela manhã de muito calor, sobre alcatrão ardente, quando o ponteiro da temperatura ameaçou subir aos limites, se instalou a dúvida. Levantar o pé do acelerador foi quanto bastou para «domar» o termómetro e garantir a viagem em segurança e completo descanso.
Na sequência deste incidente, resolvemos retirar o termostato. Não era necessário, mas a verdade é que nunca mais o ponteiro da temperatura voltou a subir tão alto.
Chegados ao fim, olhamos o Defender 110 com o respeito devido a um resistente, ao companheiro capaz de não se poupar a esforços para ajudar os amigos a vencer todos os obstáculos. E mesmo todos… como aquele que resultou de tanto salto e ressalto, milhares de quilómetros no pó, sob calor intenso, ou com as redutoras ligadas para vencer o piso demolidor de toda uma tarde no Damaraland, ou à beira do mar. No meio do Etosha, grande reserva da Namíbia, o motor «calou-se» e… a discussão instalou-se, enquanto um pachorrento elefante solitário parecia caminhar em nossa direção. Fora do jipe – o que é proibido! – , capô aberto, quatro jornalistas – Alexandre Correia, Celso Matos, Rui Faria e eu próprio –  dois problemas, um deles com o peso de toneladas, e claro, aquele desabafo – «logo aqui!» E, mesmo ali, o elefante passou «ao largo», depois de um abanão de orelhas e de um sonoro sinal de “enfado”, indiferença, talvez porque soubesse que o nosso problema resultava apenas de um fio do distribuidor que se tinha soltado.
A conclusão é simples: em África só um carro assim fazia sentido, para haver algum “picante” na aventura… E o exemplo convida a acreditar que, mesmo havendo já bastante melhor “made in Japan”, aquele era o jipe certo.
Com a devida vénia, em “memória” do fantástico “110”!