Tração traseira, motor 2.0 boxer aspirado, 200 cv, caixa manual de seis velocidades associados a um coupé 2+2 é uma receita capaz de surpreender e enganar num desportivo moderno. E por uma razão simples: pode ser mais interessante e eficaz do que parece à luz da realidade. Prova disso, o renovado Toyota GT86. Surpreendente, deslumbrante? Nada disso! Divertido, com certeza. E até com bom preço e capaz de não gastar demasiado.

Um exercício de simplicidade, este desportivo que a Toyota mantém há seis anos na gama e que em 2017 retocou. Modernizando a imagem, claro, mas também, e sobretudo, afinando a máquina, ao nível da chassis, com mexidas na suspensão, e na eletrónica que traz agora outra dimensão à experiência ao volante com o modo Track (oferece quatro afinações…), designação suficientemente clara para os apreciadores de automóveis deste género. Há outro automóvel quando se aciona o botão montado na consola…

Desportivo “à antiga”, o Toyota GT86 é daqueles carros utilizáveis todos os dias por um egoísta, mas que resulta melhor como objeto de prazer, ao estilo “ora vamos lá hoje gozar um bocado”…  E para quem pensa assim, a receita é  equilibrada  e interessante

Direção mais direta, controlo de tração e estabilidade levados a um grande nível de permissividade, além das outras “mexidas” habituais ao nível das resposta (travões e motor) e calcule-se no que dá, e tanto que nem custa admitir a possibilidade de um ligeiro exagero pôr a traseira à frente… Um desportivo “à antiga”, daqueles que derrapam às quatro rodas e até “avisam” com alguma brusquidão quando alinham a traseira com a direção da marcha.

Música envolvente, potência q.b.

É claro que diverte guiar um carro assim, daqueles que podem fazer suar, exigem empenhamento de quem está ao volante, convidado para as sensações mais de “pilotagem” do que de condução simples, mesmo que 200 cv, hoje, seja potência vulgar e a “música” do boxer se releve mais envolvente do que realmente se revela vibrante a capacidade deste 2.0 litros aspirado.

O motor (origem Subaru com injeção direta D-4S Toyota), sem a explosão dos turbo, naturalmente, é generoso a subir, tem um “poço” ali a meio do crescendo da viagem, mas compreende-se quando se sabe que o binário máximo de 205 Nm (vulgar também) se atinge entre as 6400 e as 6600 rpm. Quer dizer que a vivacidade exige rotações “lá em cima” e muita caixa, aliás uma delícia de caixa com aquele brilhantismo japonês, notável na suavidade e eficácia das passagens. Nem todos gostam, eu aprecio francamente e nunca esqueci as transmissões dos meus carros nipónicos.

Despachado, competente a curvar, desafiador inclusivamente nas estradas mais ziguezagueantes, o GT86, mesmo sem a potência e a capacidade de aceleração dos seus concorrentes com motores turbo, merece que dele se diga ser um desportivo equilibrado. Os travões (atenção: Brembo), podem deixar a ideia de menos eficácia, mas predomina a sensação de que está na medida certa o tacto do pedal e por isso se consegue um doseamento da desaceleração capaz de não comprometer. Só não pareça do tipo brutal.

Obviamente, o modo Track não deve ser para utilizar a todo o momento. E na versão “mais civilizada”, o GT86 continua a ser um automóvel interessante, um desportivo honesto com as prestações que estão longe de surpreender (7,6 de 0 a 100 e 226 km/h em velocidade de ponta) mas bastam, também porque, mesmo sem start/stop, conseguem-se consumos interessantes, com médias combinadas entre os 9,5 e os 10 litros. E menos seguramente se não quisermos guiar o GT86 como um desportivo…

Modelo de simplicidade

A “máquina” veste um fato (4,240 metros de comprimento, por 1,775 de largura e 1,287 de altura) sem grande artifícios, corte muito simples e discreto. Frente ligeiramente mergulhante, grelha baixa e bem encaixada, falsas entradas de ar laterais com lâminas salientes para receberem as luzes auxiliares, faróis pequenos e rasgados em LED, cintura elegante, traseira compacta, bem “encorpada” com luzes redesenhadas e dominantes em LED, defletor aerodinâmico suspenso fixo e escapes integrados na carroçaria, tudo isto ligado ao chão por jantes de 17 polegadas sem pneus daqueles de imporem respeito, mas que, sem surpresa, asseguram a ideia de pisar decidido.

O GT86 é assim por fora, tão simples como se revela o interior, limitado ao essencial e com um nível de qualidade percebida comum na Toyota. Uma pequena almofada de veludo, frente ao passageiro e o mesmo acabamento na pala da instrumentação, meia dúzia de frisos em metálico mate (consola e “braços” das portas), são nota de diferença num grande bloco plástico de conceção vulgar sem ser desinteressante. Instrumentação digital muito completa e um ecrã de 6,1 polegadas incrustado no tablier, volante multifunções de dimensão acertada (é o mais pequeno da Toyota), boa pega alimentam a imagem desportiva do habitáculo, com ambiente dominado pela cor negra. Normal para o género.

Os dois bancos desportivos, bem conseguidos no design, são cómodos e com excelente apoio, estão colocados em posição muito baixa – como baixo é o centro de gravidade – , o acesso obriga como que a “cair” no habitáculo, generoso em largura, o suficiente, pelo menos, para não haver “conflitos” de cotovelos. É boa a posição ao volante e a comodidade aceitável.

Os lugares traseiros associados à imagem do 2+2 que cada vez mais aceito com dificuldade, não passam de “adorno”. Só atrás do passageiro, e com o banco deste todo chegado à frente, é possível pensar em transportar alguém, e talvez só uma criança…

Já a bagageira é razoável pra este nível, 230 litros de capacidade e uma boca larga que facilita o carregamento. As traseiras dos bancos rebatem e consegue-se uma superfície com 1,35 metros.

Em linhas gerais, desportivo “à antiga”, do meu ponto de vista dirigido a um público muito especial, o Toyota GT 86 é um daqueles carros utilizáveis todos os dias por um egoísta, mas que resulta melhor como objeto de prazer, ao estilo “ora vamos lá hoje gozar um bocado”…  E para quem pensa assim, a receita é equilibrada e interessante. Até pelo preço, mesmo que a concorrência seja muito reduzida. Verdade, também, que mais potência e melhores prestações podem alcançar-se com menos dinheiro. Uma questão de gosto – e estilo!

FICHA TÉCNICA

Toyota GT86

Motor: 1998 cc, quatro cilindros boxer, aspirado, injeção direta

Potência: 200 cv/7000 rpm

Binário máximo: 205 Nm/6400-6600 rpm

Transmissão: traseira, diferencial Torsen, caixa manual de seis velocidades

Aceleração 0-100: 7,6 segundos

Velocidade máxima: 226 km/h

Consumos: média – 7,8 litros/100; estrada – 6,4; urbano – 10,3

Emissões CO2: 180 g/km

Mala: 230 litros

Preço: desde 48 830 euros; versão de caixa automática de seis velocidades, desde 49 880 euros