A recente apresentação do novo Classe A deu até para a Mercedes lembrar, com humor, um acontecimento de há 20 anos que considero o grande fiasco de sucesso na história recente da indústria automóvel. Claro, trata-se do famigerado capotamento do primeiro modelo da família no chamado Teste do Alce – que não foi um mas três, um deles em Portugal – e a forma notável como a marca deu a volta ao texto. O “dieselgate” é outra coisa…

Quando vi o alce acastanhado em tamanho natural, a dar as boas-vindas aos jornalistas, à porta do grande pavilhão fabril que serviu de palco, em Amesterdão, ao lançamento mundial, com toda a pompa e circunstância, do novo Classe A, não pude deixar de sorrir. E nem fui o único, até televisões deram protagonismo ao “boneco” que havia de chegar ao discurso, como de costume bem humorado, de Dieter Zietsche, o qual nunca se furta a ser (excelente, diga-se) protagonista dos filmes promocionais que têm marcado estas ações da marca alemã, no seu consulado. “Não preciso de vos explicar porque encontram hoje tantos alces no vosso caminho…”, dizia o presidente da Mercedes, com um sorriso acentuado pelo seu exuberante bigode branco.

O estado de espírito dos responsáveis pelo emblema da estrela das três pontas era bem diferente em 1977, quando os suecos da TekniKens Värld viraram o primeiro Classe A ao submetê-lo ao chamado Teste do Alce, uma dura prova de transferência de massas, a exigir duas guinadas bruscas no volante, em sentidos opostos, a 60 km/h, num percurso de 50 metros. As coisas complicaram-se ainda mais depois dos ingleses terem repetido a graça e, a bem dizer, atingiram o clímax quando uns jornalistas deste cantinho do fim da Europa provaram que não há duas sem três. E à terceira, foi de vez…

A revista Turbo, já então dirigida pelo meu amigo Júlio Santos, levou um Classe A para a pista da Ota e com o inevitável Francisco Sande e Castro ao volante repetiu o Teste do Alce de acordo com as regras e o desfecho foi o mesmo: carro de rodas para o ar.

Em pouco tempo, a Mercedes reagiu. Recolheu as unidades vendidas, suspendeu a comercialização e no início de 1998, praticamente três meses volvidos, convidava os jornalistas para ver o Classe A fazer com distinção o Teste do Alce

Os responsáveis da Mercedes, numa primeira fase, pareceram minimizar o facto, depois manifestaram alguma surpresa e desagrado face aos comentários que se sucederam na generalidade dos meios de informação – muitos, como se calcula, por todo o lado e com estrondo. E, quando digo que não gostaram de alguns comentários, entendo que, a quente, reagiram a despropósito. Como escrevi, então, no editorial do Milhas, à altura o suplemento das sextas-feiras no Diário de Notícias, tinha de considerar-se inacreditável que uma marca com os pergaminhos da Mercedes pusesse na rua um automóvel incapaz de passar num teste que, todos sabiam, inevitavelmente iria ser feito (os suecos criaram-no em 1970).

Tudo isto se deu num período de tempo relativamente curto e pouco depois do lançamento do pequeno monovolume, uma revolução na indústria e na história da Mercedes, que apresentava o seu primeiro tração dianteira. E também em pouco tempo, a Mercedes reagiu. Recolheu as unidades vendidas, suspendeu a comercialização e, no início de 1998, praticamente três meses volvidos, convidava os jornalistas para ver o Classe A fazer com distinção o Teste do Alce na pista de Mireval, em Montpellier.

A questão foi resolvida com o recurso ao ESP, controlo eletrónico de estabilidade, então, como recordou Dieter Zetsche em Amesterdão, tecnologia reservada ao exclusivo Classe S, e também com um endurecimento das molas traseiras que, dizia-se na altura, penalizou o conforto do pequeno monovolume.

A vantagem de reconhecer o erro

O brilho da estrela de três pontas ofuscou tudo isso. A ação pronta da Mercedes, o reconhecimento do erro e a afirmação de que o problema ía ser rapidamente resolvido, como foi, caíram bem. O Classe A recomeçou a vender com resultados comerciais que justificaram a mesma solução estética para a segunda geração. E para a história dos números fica qualquer coisa como 1,1 milhões de unidades vendidas. É obra!

Um fiasco já de dimensões globais transformava-se num sucesso. Foi uma lição para a própria Mercedes que deve, afinal, ter tomado ainda mais consciência da importância de ser Mercedes! E por isso, hoje, pode dar-se o luxo de lembrar o caso com uma pontinha de humor. Sem soberba, também, o que deve assinalar-se.

O recurso ao ESP começou a democratizar-se com este caso e os sistemas eletrónicos de controlo de estabilidade, que não pararam de evoluir, acabaram por ser tornados obrigatórios na Europa, a partir de 1 de Novembro de 2014. Não devia ter sido preciso esperar tanto tempo, mas a culpa não é da Mercedes. No mundo automóvel, 500 euros ainda é muito dinheiro…

A Mercedes EUA tem no Youtube um vídeo esclarecedor sobre o ESP. Aqui fica!

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