Mano Dayak com Isabel Araújo e Mendes Nunes que conviveram com ele no deserto e em Portugal

Vai para 25 anos, coube-me entrevistar um homem muito especial. Mano Dayak de seu nome, tuaregue, etnólogo, seis meses senhor das areias – os franceses tratavam-no como príncipe do deserto –, a outra metade do ano parisiense cosmopolita (estudou nos EUA e em Paris), companheiro de Thierry Sabine na aventura do primeiro Paris-Dakar, pioneiro do negócio do turismo de aventura no Sara.

Foi este homem, falecido num desastre aéreo quando estas vidas já tinham sido trocadas pela liderança da guerrilha tuaregue – CRA, Coordenação da Resistência Armada – no Níger, que despertou em mim esse «bichinho» que ataca e marca, decisivamente, aqueles que um dia têm o sublime privilégio de contactar esse mundo de espaços a perder de vista, cenário de cinema, maravilha das maravilhas.
«Uma viagem ao deserto», contava-me Mano Dayak, «não nos mostra apenas a paisagem. O deserto é assim como uma maneira de cortar com tudo, uma imagem forte, um convite à reflexão interior. Qualquer coisa que também tem a ver com as pessoas que, não sendo exatamente místicas, procuram-se, procuram qualquer coisa mais, diferente, pessoas que têm sempre alguma poesia na cabeça».

Mano Dayak está sepultado às portas do deserto, em Tídène, próximo de Agadez, no Níger, ao lado dos seus dois lugares-tenentes vitimados no mesmo acidente aéreo

Mano Dayak: “O Deserto é assim como uma maneira de cortar com tudo, uma imagem forte, um convite à reflexão interior”

Na altura, o deserto começava a ser uma moda, pelo menos por cá, onde a maioria não sabia já haver qualquer coisa como 25 mil pessoas, por ano, a passearem-se por esse cenário que pouco tem a ver, afinal, com o imaginário criado pelo cinema e por aquelas aventuras que enchiam as memórias de quem ía nos 40 anos e continuam a tentar muito boa gente. Foi isso que, pouco depois, tive a felicidade de descobrir – com a ajuda das lições do meu amigo Mendes Nunes –, numa das mais fantásticas viagens que a imaginação pode conceber: 20 automóveis de todos os dias nas mais incríveis pistas (?) do Sara argelino. Foi “A Pista dos Leões”, organizada pela Peugeot. Fiquei então a saber que o deserto está longe de ser esse imenso mar de areia, as dunas de todas as formas, uma luz deslumbrante. Fiquei então a saber que as miragens existem, mas também que a paisagem nos reserva outras surpresas tremendas: caminhos de tormenta a perder de vista, mares encapelados com ondas de pedra, «estradas» atapetadas de verdadeiros estiletes, como se fossem camas de faquir, árvores perdidas no meio de nada, a surpresa de encontrar gente onde se espera tudo menos uma réstea de vida. E, mais extraordinário de tudo, fiquei a saber que o deserto proporciona uma paz inigualável e inesquecível com aquele silêncio terrivelmente reconfortante – o máximo que é o nada, o fantástico que é o barulho do silêncio.
Durante uns tempos, «devorei» o que pude sobre o deserto. E mal pude, voltei. Continuo na mesma: leio todas as linhas sobre experiências no deserto e, sempre que posso, lá estou. Nos tempos recentes em Marrocos, pois a situação desaconselha grandes aventuras por outras fronteiras do Sara ou do Teneré. Mas já chega… O telemóvel não funciona, dificilmente se consegue estar verdadeiramente só, mas, ainda assim, nada há igual. É uma experiência a não perder, são umas férias em que até sabe bem o cansaço das grandes tiradas de jipe, a pensar no conforto daquelas noites em que o frio cai à medida que o sol se põe, no deslumbramento daquelas manhãs em que o calor «sobe» à medida que cada nesga de Sol desponta no horizonte. É tudo o que a imaginação permite – tal como me explicou Mano Dayak.

O vídeo que aqui fica é uma das várias homenagens à memória de Mano Dayak “guardadas” no Youtube.

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