São muitas, e algumas quase inacreditáveis, as estórias que correm nos bastidores do pequeno mundo automóvel português.  Recordo quatro, uma delas incluída no anedotário com rodas.

É a mais conhecida, também porque se utilizava para transmitir aos mais novos aquilo de que era importante falar na apresentação do automóvel, nos anos 70 – vendedores, principalmente, mas também os jovens jornalistas, tentados pelas divagações técnicas –  tem a ver com o binário…

Se aconteceu está por saber, mas rezava que um experiente vendedor de automóveis de uma conhecida marca, no esforço de promover o seu produto, falava sempre do excelente binário do motor. Um dia, um comprador interessado, mas muito preocupado com o preço, interrompeu-o para lhe lembrar ao que ía:

– Caro senhor, eu compreendo o seu trabalho e sei que tem de falar de tudo. Mas, por favor, não venha tentar-me com extras. Não quero o binário, importante para mim é só o rádio!

Para rir? Os tempos eram outros.

Estrear o airbag

Se este o episódio teve consequências nunca se soube, mas real foi aquilo que se passou um dia na Renault e ficou na memória dos mais antigos na casa. Vem do tempo do Safrane, um dos topos de gama que a marca ousou comercializar e, em 1992, foi o primeiro modelo do emblema do losango dotado de airbag no volante.

Um dos concessionários da Renault fazia então contactos frequentes com a sede, procurando inteirar-se da data de início da comercialização do novo modelo. E a insistência era tanta que foi considerada estranha pois, no caso em apreço, a importância do Safrane nem seria muita nos resultados da empresa do representante que vendia a gama do construtor francês.

Mas não foi preciso manifestar estranheza pela preocupação, o próprio concessionário, apercebendo-se, tratou de esclarecer as coisas. E terá sido mais ou menos assim:

– Vocês devem achar que eu sou um grande chato, mas gostava de levar o Safrane, nas férias, para o Algarve. Quero estrear o airbag!

Ainda hoje se fala da história…

Ruído intrigante

Mas há mais. Na Mercedes, por exemplo, esta cena com um cliente há muito ligado à marca.

Um dia, chegou à sua oficina de sempre, intrigado com um ruído que o carro fazia do lado direito e apenas na autoestrada.

– Não percebo. Têm de descobrir. O ruído vai e vem e é incomodativo. E só acontece na autoestrada, o que acho ainda mais estranho.

Um mecânico levou o carro para testar, foi à autoestrada. E nada. Viu-se o carro. E nada. Devia ser coisa passageira, impressão do condutor, estava tudo bem.

Dias depois, o cliente voltou.

– Estamos na mesma. Chego à autoestrada, encosto à direita e é uma barulheira dos diabos. Hoje tem de ir um mecânico comigo.

E foi. Chegados à autoestrada, o senhor encostou o Mercedes à direita e pisou a faixa delimitadora:

– Está a ouvir? Não inventei nada!

É claro que não, tinham sido “inventadas” as bandas sonoras que “alimentam” aquele matraquear ouvido quando se “pisa” a linha delimitadora da faixa de rodagem.

Impossível? Foi contada por um antigo alto responsável pela marca em Portugal.

Lápis salvador

A história do bico do lápis e da Vauxhall é menos falada porque há muito a marca britânica ligada à GM e hoje na órbita do grupo PSA, deixou de concorrer no mercado nacional. A Vauxhall teve resultados interessantes entre nós e contou com um modelo bastante popular, o Viva.

A segunda geração deste modelo, que até andou pela competição e era “modernaça” para os padrões os inícios dos anos 70, tinha travões de disco à frente, solução ainda pouco comum e, logicamente, argumento de venda.

Ora, os discos eram ruidosos e sucediam-se as queixas, designadamente na histórica Auto Industrial em Lisboa, então proprietária também de um “stand” na Avenida Duque de Loulé, onde hoje existe uma loja chinesa…

A intrigante chiadeira parecia não ter solução e era comum ver os Viva, na oficina, rodas desmontadas, e os mecânicos a olhar para os discos… um dia, um deles, lápis na mão, partiu o bico do dito num dos pequenos furos dos discos. E não é que fizeram-se ensaios e o ruído desapareceu!

Admitiu-se que a grafite resolvia o problema e foi um festa… mas sol de pouca dura. A chiadeira voltou para ficar, mas nunca ninguém disse é quantos bicos de lápis foram partidos.

O meu tio Zé Maria contou-me a história, na base do sucesso dos mecânicos portugueses e andava feliz com a solução que tinha tirado – dizia ele – a chiadeira ao seu belo Viva. Ora a estória ainda hoje faz rir o meu amigo Marco António, uma das “penas” com autoridade nestas coisas dos automóveis, que se apaixonou por eles em miúdo exatamente na Auto Industrial, onde o pai geria o negócio e ele se iniciou como engenheiro. “Pensava-se que a grafite eliminava a chiadeira”, confirmou, também ele divertido com a estória que ficou para a história da Auto Industrial.

O mini que não andava

Quem teve um Mini e fazia a sua assistência nas oficinas de J.J. Gonçalves conhece seguramente a estória, motivo de risota durante muito tempo. Aconteceu com uma senhora e os primeiros 850.

O carro que devia ser a vaidade da cliente Austin era, afinal, uma dor de cabeça. Pura e simplesmente, andava pouco, fazia uma barulheira tremenda e tinha consumos exagerados. Pesarosa, a senhora levou o carro à assistência e contou o seu dilema ao chefe de oficina.

Chamou-se um experimentador, este levou o carro e, quando voltou, para surpresa da senhora, disse-lhe:

– Minha senhora, desculpe, mas o carro está normalíssimo, não faz nada daquilo de que se queixa.

– Não pode ser! – retorquiu a senhora, incomodada.

– Então quer fazer o favor de me mostrar – pediu o mecânico.

A senhora puxou o botão para fechar o ar e enriquecer a mistura, pendurou nele a sua mala de mão e ligou a ignição.

– Está a ouvir? Começa logo aqui…

… E ficou por ali. Explicaram à senhora qual era a função do regulador da mistura de ar.