É um compromisso entre a crónica de viagem, a reportagem e um passeio pelos caminhos da história e com muitas estórias de encantar o Diário de Bordo de mais uma expedição Lisboa – Dakar – Bissau do jornalista Alexandre Correia. Um livro imperdível para quem já fez ou ainda sonha fazer uma viagem de automóvel pela África mais próxima. Esses, como me aconteceu, vão lê-lo de um fôlego.

Jornalista, apaixonado do todo-o-terreno e especialista na matéria, Alexandre Correia, também viajante incansável pelos quatro cantos do mundo, foi 15 vezes de automóvel a Dakar nos últimos 13 anos. É obra! E ele, que fala das pistas, estradas e fronteiras africanas com naturalidade desconcertante e alardeando memória prodigiosa, resolveu, enfim, verter em livro esta experiência – a qual, fica claro, resulta de uma paixão, o sonho de adolescência que continua a fazê-lo desejar o regresso. E em boa hora o fez, sobretudo porque o fez bem.

Diário de Bordo: Expedição Peugeot 3008 Lisboa – Dakar – Bissau é o título de uma edição cuidada, formato invulgar que valoriza o grafismo de um livro também recheado de imagens mais de centena e meia  de um continente ainda fascinante, no caso desde Marrocos e do “seu” fantástico deserto do Sara, ao perfume do Sahel e da África Negra, através de países como a Mauritânia, Gâmbia, Guiné-Bissau e Senegal.

Uma viagem de muitas viagens, esta que Alexandre Correia nos conta num livro que cumpre um dos seus objetivos: motivar outros a seguir o mesmo caminho, a rota atlântica até Dakar, com um desvio a Bissau

Foram 15 555 quilómetros só em África e 39 dias de viagem – incluindo a corrida de Lisboa para o barco em Tarifa – que vamos gozando também através dos caminhos da história, desde os episódios recentes marcados por contenciosos diplomáticos, e complicados, até todo um passado colonial, numa zona onde espanhóis e franceses e até ingleses deixaram marcas a juntar a uma bem viva e importante memória portuguesa.

Um mundo de surpresas

Ao correr da marcha do Peugeot 3008, no qual não faltou a pá para salvaguarda nos inevitáveis atascanços, sempre resolvidos, muitas vezes com ajuda de mão amiga, e ao correr da pena de Alexandre Correia vamos viajando num mundo de surpresas, apenas desconcertantes para quem nunca andou por África.

Uma galerista portuguesa em Nouakchott, o ex-diplomata belga que hoje é hoteleiro em Saint-Louis, onde uma francesa tem um atelier de tecelagem e uma vietnamita mantém a custo um restaurante, o libanês que trocou Londres pelos mangueirais e cajueiros perto do Cacheu e os italianos dos bangalós em Varela, na Guiné-Bissau – são alguns dos retratos vivos e coloridos em apontamentos de reportagem sobre esta realidade de fantasia que África nos proporciona e com a qual Alexandre Correia nos delicia e se delicia…Tanto que até faz uma pausa para saborear um expresso de cápsulas Delta num dos vários postos da Galp que se encontram pelo caminho.

E ainda faltam as marcas do Paris-Dakar – e dos campos minados que acabaram por ajudar ao seu fim – e do Africa Race, as memórias de Antoine Saint-Exupérie – chefe de escala no Caby Juby – e as pistas, como a de Villa Cisneros, hoje Dakhla, em Marrocos, que foram apoios desse serviço prodigioso prestado pelos aventureiros da Aeropostale, o correio aéreo francês, e até a célebre Linha Imperial da TAP, duas semanas de voo para ligar Lisboa a Lourenço Marques, hoje Maputo, no histórico DC3.

O caos do trânsito em cidades dignas de banda desenhada e nas estradas onde o alcatrão é pouco e estreito e os camiões, grandes, “cegos” e muitos, as oficinas do desenrasca a céu aberto, a aventura das fronteiras, onde nunca se sabe o que vai acontecer e quanto pode custar um carimbo ou um visto que nem faz falta, um quotidiano feito de “experiências inesquecíveis”, como o autor reconhece, enriquecem uma narrativa que nos conquista da primeira à última página de Diário de Bordo: Expedição Peugeot 3008 Lisboa – Dakar – Bissau.

Também ficam na memória as imagens dos hotéis aos quais se regressa com prazer e de outros descobertos com surpresa, restaurantes a não perder, outros de que melhor é fugir e algumas refeições cujo sabor até chegam ao leitor deixam-nos perceber o valor inestimável de uma pausa retemperadora – dispensada na leitura – mesmo que correr por gosto não canse…

Uma viagem de muitas viagens, esta que Alexandre Correia nos conta num livro que cumpre um dos seus objetivos: motivar outros a seguir o mesmo caminho, a rota atlântica até Dakar, com um desvio a Bissau.

A partida e o “aperitivo” de Marrocos em imagens

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PS – Parabéns Alexandre. Um belo trabalho este que nos deixas com o teu livro! Com tantas estórias, bem podias escrever outro. Fica o desafio.