A Kia está a viver um momento especial, “doce”, nas palavras de Artur Martins, o português que está na direção da Kia como vice-presidente do marketing da marca sul-coreana. Quatro modelos novos em 2017 e com Stinger em alta, Ceed bem recebido a abrir novo ano, respira-se confiança no emblema mais europeu do Grupo Hyundai.

Falei com Artur Martins em Munique, momentos antes de ele protagonizar a apresentação oficial do novo Ceed. Mas, mais do que ouvi-lo sobre o novo modelo, queria saber se esta Kia, retrato de pujança, considera que já estão vencidos os preconceitos em relação à marca.

O vice-presidente da Kia não tem dúvidas de que o preconceito é qualquer coisa “difícil de ultrapassar”. Depende até dos mercados, uns mais conservadores e pró-germânicos em termos de marca, outros abertos à novidade e sem medo de a experimentar.

“Energia limpa será sempre o hidrogénio, temos essa tecnologia, continuamos a trabalhar nesse tipo de motorização, e se o mercado for nessa direção será uma das soluções para a qual vamos ter uma resposta”

De qualquer modo, o lançamento do Stinger foi um momento decisivo, espelho da Kia do futuro, admite. Sublinha que na marca sul-coreana há uma cultura de “atrevimento”, o que até permitiu conseguir coisas outros não alcançaram. “O Stinger é um exemplo e com resultados à vista”. E diz-me, animado e convicto:

“O Stinger é um passo extremamente corajoso da nossa empresa. Sabíamos desde o início do projecto, que ninguém nos perdoaria se apresentássemos um mau carro a este nível. Não havia margem de erro. Do ponto de visa do desenho não havia dúvidas, mas era fundamental uma resposta convincente em termos de engenharia, produzir um automóvel que se conduzisse bem, convencesse.”

Aplauso e incentivo

E a verdade é que produziram um automóvel aplaudido pela imprensa especializada, como o prova a sua integração na “short-list” do Carro do Ano Internacional, do Carro do Ano Mundial e ainda a presença  entre os eleitos para a decisão final nos Estados Unidos. Não é fácil consenso tão alargado!

“O Stinger vai ajudar-nos muito do ponto de vista da credibilidade”, acrescenta. E sorri para me dizer que, há dias, num posto de abastecimento de gasolina na Alemanha, onde vive, o condutor de um do mais conceituados modelos do segmento se lhe dirigiu e perguntou que carro era aquele? Disse-lhe que era um Kia, convidou-o a entrar e ver e ouviu do surpreendido alemão aquilo que já experimentou muita gente menos avisada: “Não acredito nisto…”

É claro que a expressão do Stinger vai ser reduzida em termos de vendas na Europa. Os Estados Unidos devem ajudar a fazer a diferença. Há outro espírito, um mercado enorme e…menos preconceitos, além de um preço que seria arrasador na Europa.

O Ceed, modelo de volume e “superimportante” vem encaixar-se nesta estratégia. Chega no tal “momento doce”, hora de alta para a Kia. Aproveitou alguns pormenores do desenho do Stinger, mesmo tratando-se de produtos completamente diferentes, e usa as formas para procurar afirmar-se como um produto “mais maduro” e próximo dos premium.  Explica: “O capô mais comprido, a redução da altura – é o mais baixo do segmento –, um aspeto mais desportivo e mais sério ajudam a sua afirmação como proposta diferente do anterior”.

Desafio “importantíssimo”

Artur Martins lembra que o desafio do Ceed é “importantíssimo”, está a combater num segmento muito difícil, competição cerrada, e contra produtos de algumas marcas mainstream que vão na décima geração. “Nós vamos na terceira!”.

Mas o ataque da Kia parece muito sério, com uma gama completa como poucas: ainda este ano a carrinha, em 2019 uma inovadora shooting break, um SUV e, claro, os híbridos. Não é pouco e mostra onde quer chegar a marca que continua a apostar nos imbatíveis sete anos de garantia.

E como se gere tudo isto à luz do grande conglomerado Hyundai? Mais, como se gere tudo isto quando parece ter acabado uma espécie de proteção à Kia para promover o seu relançamento? Designadamente quando (afinal era esperado…) o talentoso Peter Schcreyer, mais valia “pescada” na concorrência, aparece a desenhar também para Hyundai.

“Quando somos parte de um grupo, é óbvio que, do ponto de vista da engenharia, faz todo o sentido partilhar uma série de componentes. A dificuldade é até que ponto partilhamos e onde deixamos de partilhar para conseguir alguma diferenciação”, diz-me Artur Martins. E esclarece que “em segmentos de volume é impossível não estarem as duas marcas juntas”.

Do ponto de vista do design, entende que apesar de Peter Schreyer ser o responsável do grupo, considera haver grande diferença entre as duas marcas e defende até que “outros grupos não conseguem o mesmo de forma tão expressiva”.

“O passo seguinte, e aquilo que vamos ver no futuro, é como conseguiremos não pisar o mesmo terreno em determinados tipos de segmento”, continua. “Temos um Stinger, a Hyundai não. O Stonic assenta numa plataforma diferente do Kauai, e foi uma decisão nossa usar a plataforma do Rio, não tem capacidades 4×4 mas procurávamos um produto que não fosse tão declaradamente um B SUV – e o Kauai é mais isso. Também vamos fazer a diferença com as diversas opções de carroçaria do Ceed,  política diversa da seguida para o i-30”.

Esta diferenciação está longe de significar que Hyundai e Kia não possam partilhar “muito mais ao nível de tudo aquilo que não é visível para o consumidor. Importante é que seja bom!”, afirma. E é natural que assim seja.

Deixar todas as portas abertas

E o futuro? Qual a solução para esta corrida em que parece pretender-se dar a primazia aos automóveis elétricos?

Ora, o grupo Hyundai vai deixar todas as portas abertas… “Vamos lançar outro elétrico,  agora o Niro. Temos híbrido, Plug-in, até hidrogénio na Coreia. Basicamente, todas as tecnologias.”

Artur Martins diz que a Kia seguirá a tendência do mercado, mas frisa que tudo vai depender da infraestrutura de abastecimento. Ele acompanha o pensamento daqueles para quem ser honesto é lembrar que o hidrogénio garante o automóvel cem por cento limpo. “Com os elétricos tiramos o CO2 das cidades, mas não podemos esquecer que mais de 65 por cento da energia elétrica produzida na Europa resulta da queima de carvão ou petróleo”

“Energia limpa será sempre o hidrogénio, temos essa tecnologia, continuamos a trabalhar nesse tipo de motorização, e se o mercado for nessa direção será uma das soluções para a qual vamos ter uma resposta”.

Convém lembrar que o Grupo Hyundai integra aquele que parece ser um dos mais fortes lóbis que estão empenhados nos automóveis a hidrogénio, juntamente com outros gigantes da indústria automóvel – Daimler, BMW, Toyota, Honda…