Em 1985 fui, pela primeira vez, ao Salão de Genève – mantenho a grafia francesa porque, após prolongada discussão, me autorizei um dia, no DN, a batalhar contra a obrigação de escrever Francoforte e insistia em que Genebra era uma bebida… Adiante, que a estória é outra. Como sou mau em datas, confirmei o ano pelo lançamento do Lancia Y10, motivo da deslocação que me permitiria a estreia na cobertura deste salão. E como era diferente há 33 anos!
Gostei desde o primeiro dia. Era mais pequeno do que Paris e um “sprint” quando se pensava na maratona de Frankfurt, autêntica violência para aquilo que há trinta e picos anos implicava um salão para um jornalista da Imprensa, esse “género” ameaçado de passar a referência histórica nas escolas onde se ensina a profissão.
E o que implicava? Pois bem, até alguma criatividade. Ainda não havia tróleis, levava – e deu-me particular gozo vir a ser emitado por jornalistas estrangeiros – um daqueles carrinhos metálicos desdobráveis com rodas ao qual, com esticadores elásticos, prendia uma mala de viagem de consideráveis dimensões.
Era a melhor forma de ir guardando as dezenas de sacos de plástico pastas cartonadas, que no final da jornada pesavam, imagine-se, qualquer coisa como 30 quilos. Verdade que trazia tudo, mas um salão, para mim, era um suplemento de 16 páginas carregadinho das estórias daquelas “futurices” – concepts, estudos de formas, protótipos – que marca alguma se dispensava de mostrar. E mais, é claro, as coisas extraordinárias que já havia, noutra dimensão do extraordinário, como é natural. Nem vos digo os truques que fazíamos todos para meter tudo aquilo no avião sem pagar excesso de carga…
Há uma “espécie” nova em que se tropeça a cada esquina, o exército, não sei se todos jornalistas, daqueles que, smartphone ou pequena câmara na mão, percorrem o salão gravando ou transmitindo em direto, abstraídos de tudo menos dos automóveis
Em Genève andava-se menos, estava lá toda a gente e os grandes carroçadores, transformadores e as marcas de exceção, menos do que hoje, concentravam-se no piso superior que era um regalo para a vista e a certeza de muitos temas para cativar a atenção dos apaixonados do automóvel.
Estafa reconfortante
Uma estafa, de qualquer modo, mas daquelas que davam gosto e até reconfortavam. Todos gostávamos de ir, mesmo sabendo que seria duro, e quase sempre mais duro… E ainda havia uma vantagem, o aeroporto era mesmo ali ao lado.
Os anos foram passando e generalizaram-se os sacos trólei, nalguns casos até oferecidos pelas marcas, cores garridas, que disputavam a prevalência da sua imagem. E enriqueceram-se os dossiers de imprensa, designadamente com mais fotografias dos modelos em destaque nas mostras. Fotografias, notem bem, papel… O digital ainda era ficção.
O dinheiro que passou a gastar-se nestas coisas era de meter dó. Ainda recordo as centenas de quilos de alumínio que vi à porta do salão de Paris, a capa preciosa do dossier de imprensa de uma grande marca, um balúrdio para deitar para o lixo. Havia que aligeirar a carga, verdade, mas aquilo foi de mais, um escândalo.
Alguém com outras responsabilidades que não as minhas deve ter percebido que estava a passar-se das marcas e não valia a pena. E a tecnologia, entretanto, veio ajudar. A informação passou para os CD, primeiro, depois para as pen-drives, que as marcas ainda trataram de personalizar (era chinês e barato…)
Tudo mais fácil
Tornou-se bem menos duro fazer a cobertura de um salão, também porque com a internet a informação passou a estar disponível nos sítios das marcas que, entretanto, para facilitar ainda mais, até a enviavam para os jornalistas através dos serviços nacionais de relações públicas.
Hoje, é ainda mais fácil. Um cartão com endereço eletrónico, às vezes os QR code, num caso ou noutro ainda uma pen-drive e sempre a certeza de que na internet estará tudo para fazer melhor ou minimizar um esquecimento. O que é difícil, pois o Smartphone não para de apitar para registar mais um dos tais e-mails com informação.
Este pequeno mundo, hoje verdadeiramente global, envolveu sempre muita gente, atropelos e corridas muitas vezes desnecessárias. Qualquer grande novidade implica um sufoco inexplicável e quando há um Ferrari na lista das estreias o melhor é mesmo guardar a preocupação para mais tarde, às vezes para o dia seguinte…
E se os repórteres fotográficos e os curiosos foram sempre muitos, o número crescente de televisões, os sites especializados que trabalham com imagem, ainda os youtubers movimentam hoje uma parafernália que dificulta cada vez mais a vida a todos. Chega a parecer um milagre como tanta câmara coexiste quase pacificamente. E o quase tem razão de ser…
A nova “espécie”
Mas há uma “espécie” nova em que se tropeça a cada esquina, o exército, não sei se todos jornalistas, daqueles que, smartphone ou pequena câmara na mão, percorrem o salão gravando ou transmitindo em direto, abstraídos de tudo menos dos automóveis. São tantos que, às vezes, parecem contorcionistas, para evitarem os encontrões e procurarem o plano mais ajustado no “buraco da agulha”.
É a nova face da informação, mais ou menos credível não sei, mas que também já conquistou os verdadeiros profissionais do ofício, mesmo os homens da televisão. E para terem uma ideia do que valem e pesam, o Rui Pedro Reis, da SIC, chegou a estar em diálogo no Facebook da estação de Carnaxide com 200 seguidores, mostrando-lhes aquilo que queriam ver e explicando quanto havia de novo em diretos que, de acordo com a duração, andaram entre os dez e os vinte mil espectadores. Outro mundo!
O Rui nunca carregou 30 quilos de papel, mas, tenho a certeza, suou as estopinhas para fazer os dez minutos do Salão de Genève que passaram no jornal da noite. E bem feitos!