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O meu almoço com Fangio

Fangio ao volante de um Flecha de Prata, um sorriso inesquecível para um retrato de mitos, o modelo da Mercedes e um piloto para a história do desporto automóvel (Foto Arquivo Mercedes)
A foto muito especial: Fangio e o 300 SLR de 1955 que se encontra no museu de Balcarce, terra natal do argentino. "É o carro perfeito. A máquina com que qualquer piloto sonha toda uma vida", afirmou um dia (Foto Arquivo Mercedes)
Em Nurburgring há, desde 2002, um monumento do pentacampeão sul-americano junto de outro dos Fórmula 1 que lhe deram êxitos:o Flecha de Prata W196 R (Foto Arquivo Mercedes)
No ano seguinte, também Monte Carlo imortalizou Fangio numa estátua com um Flecha de Prata: David Coultard, Emerson Fittipaldi, o príncie Alberto e Nikki Lauda inauguraram o monumento (Foto Arquivo Mercedes)
Ao volante do W196 Streamliner, em 1954, a caminho de mais uma vitória, esta em Reims (Foto Arquivo Mercedes)
A carreira de "El Maestro" foi interrompida em 1952, na sequência de um grave acidente em Monza. No regresso, Fangio assinava pela Mercedes, em 1954, quando a Fórmula 1 era o espetáculo de multidões que se adivinha pela assistência (Foto Arquivo Mercedes)
Ataque à curva do gasómetro, ponto fulcral do circuito monegasco. Fangio vem por fora, com o Mercedes nº6. Eram outras corridas... (Foto Arquivo Mercedes)
Fangio também ganhou em Buenos Aires, em 1955, tripulando o W196 R, com o qual se sagrou campeão do Mundo (Foto Arquivo Mercedes)
Stirling Moss e Juan Manuel Fangio, companheiros e adversários, na época dos "gentleman drivers". Desta vez, ganhou o inglês, em casa... (Foto Arquivo Mercedes)
Em 1957, "El Chueco" conquistou o seu último título ao volante de um Maserati 250 F, que na imagem tripula na derradeira corrida, no mítico Nurburgring (Foto Maserati Spa)
Final da corrida, o sorriso para o último título, aos 46 anos, de uma carreira gloriosa. Fangio despedia-se na época seguinte (Foto Maserati Spa)

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Quando entrei na sala de refeições do Hotel do Guincho, fiquei petrificado. Tinha ao lado o meu amigo Celso Matos, companheiro de muitos quilómetros e acontecimentos, e não era a paisagem soberba o motivo da minha surpresa e quase deslumbramento. “Já viste quem está ali? O Fangio!”, disse-lhe ao ouvido. “É mesmo ele, o Fangio!”, respondeu-me com idêntica surpresa e tão emocionado quanto eu.

Terá sido há uns 25/30 anos (Fangio morreu em 1995, com 84 anos), o campeoníssimo argentino “El Chueco” ou “El Maestro”, era já um homem magro, estatura média, porte elegante, pouco cabelo e branco, um sorriso inconfundível. Vestia um fato escuro e usava gravata. Estava em Portugal no âmbito de uma apresentação internacional da Mercedes, que escolhera o Autódromo do Estoril para pôr a Imprensa de todo o mundo a medir as capacidades de mais um dos seus fantásticos SL, daqueles a que Bruno Sacco emprestou a magia do seu traço. E convidara Fangio para ver até ao Estoril.

Eu e o Celso, ao serviço de “Diário de Notícias” e “Correio da Manhã”, respetivamente, bem mais novos mas já dos mais velhos do pelotão dos jornalistas portugueses (que sina a nossa…), apontamos à mesa, onde Fangio, de pé, esperava os convidados. Só podíamos almoçar ali! E assim foi.

Don Juan era uma simpatia, respondia a quanto se lhe perguntava num discurso pausado e naquele castelhano mais musical dos argentinos, apesar da voz metálica. E tinha aquele briolhozinho especial nos olhos. Era o resultado de uma pontinha de orgulho por aqueles “jovens” evocarem tantos momentos de uma carreira gloriosa e apaixonada, os tempos românticos do automobilismo de competição.

A certa altura, Fangio ouviu-me com surpresa:

– Sabe, Don Juan, eu vi-o correr em Monsanto!

Sorriu e, incrédulo, disse-me, quase com ternura paternal, mais ou menos assim:

– Isso é impossível, nem devias ter nascido!

– Pode crer! O meu Pai levou-me aos treinos. Ía fazer 5 anos e fomos de Lambretta. Ele preparava-se para fazer o relato da corrida, no dia seguinte, ficava no posto da chamada Curva do Gonzalez (outro argentino vencedor em 1954)! E ainda se lembrava das suas primeiras palavras do relato: “Lá vêm eles!!!”

O campeoníssimo, ainda assim, continuou a pensar que eu estava a brincar com ele…

– “Hombre”, deves estar a fazer confusão…

– Não, não estou. E vou explicar-lhe porquê. Durante anos, puxei o lustro aos sapatos (ainda não havia aquelas esponjas milagrosas e tínhamos de usar pomada…) com a braçadeira que identificava os jornalistas (era daquelas braçadeiras que ainda se prendiam com um alfinete de ama). E estava lá bem claro, gravado a tinta preta: Grande Prémio de Portugal 1957!

Enfim, Fangio pensou que o “miúdo”, já a caminho dos 40, era capaz de ter razão.

O argentino ganhou 24 dos 51 Grandes Prémios em que participou, esteve 35 vezes no pódio e venceu cinco campeonatos (1951/54/55/56/57)

Lembro-me de pouco mais do que isso e as imagens mais claras até são de 1959, quando, outra vez e, como sempre pela mão do meu Pai, voltei a Monsanto e, então, cumprimentei  o Nicha Cabral, que havia de ser 10º na corrida ganha por Stirling Moss.

Com o britânico partilhei, muitos anos mais tarde, a companhia numa conferência de imprensa em Londres. Tinha muito para lhe perguntar mas não chegamos a conversar. Agarrado à sua bengala, dormiu tranquilamente durante toda a sessão. E não tive coragem para interromper o descanso do eterno segundo…

Lamentavelmente, não tenho registo fotográfico de qualquer destes momentos, marcantes para mim. Só a Mário Araújo Cabral tive ocasião de recordar o envergonhado aperto de mão do menino que nunca mais esqueceu aquele português da Fórmula 1. E de, mais tarde, ouvir as suas estórias mirabolantes para uma entrevista que recordarei outro dia.

Falar de Fangio tem de ser, no entanto, deixar pelo menos um registo: o argentino ganhou 24 dos 51 Grandes Prémios em que participou, esteve 35 vezes no pódio e venceu cinco campeonatos (1951/54/55/56/57). Foi preciso esperar por Schumacher para alguém fazer melhor. Do seu palmarés constam ainda 29 “poles position” e 23 recordes de volta. Estreou-se em 1950, no GP de Inglaterra, e correu pela última vez no GP de França, em 1958. Foi piloto da Alfa Romeo, Maserati, Mercedes e Ferrari.

Na corrida de 1957, destinada a carros de Sport, Fangio conseguiu a “pole position” mas foi Phill Hill quem tomou a dianteira, após o arranque. Só à décima volta o argentino tomou a liderança para de destacar com naturalidade, o que lhe permitiu até baixar o ritmo. Atrás dele, no entanto, o americano Masten Gregory, também num Maserati S 300, encetou uma recuperação tão sensacional (fez mesmo a volta mais rápida) que o campeoníssimo convidou-o para a tradicional volta de honra.

O circuito de Monsanto tinha 5,400 metros, começava na velha estrada de Queluz, percorria parte da autoestrada do Estádio, a atual A5, seguia pela Estrada do Alvito, Alameda Keil do Amaral (Montes Claros) e, enfim, estradas do Penedo e dos Marcos.

Descendente de italianos, essa vulgaridade argentina, Fangio até deu a costela familiar para fazer um anúncio de então transalpina Pirelli… Está em vídeo no Youtube – e aqui. Foi filmado em Monza, em 1965, quando ainda estava ativa a famosa parabólica

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