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Os (500) “complexos” da Fiat

Imagem para 60 anos de história e resposta para o trabalho notável de transformar um ícone da Fiat num fenómeno de popularidade (Foto: Arquivo Fiat)
Coroa de glória para o histórico minicarro italiano, o MoMA, o célebre museu de arte moderna de Nova Iorque, adquiriu um Fiat 500 em 2017! (Foto: Arquivo Fiat)
Na gama 500, como tinha acontecido com o Topolino, também houve uma carrinha, chamava-se Giardiniera e esteve em produção 17 anos, desde 1960 e a partir de 1968 nas linhas da Autobianchi (Foto: Arquivo Fiat)
Foi em 1955 que surgiu o Fiat 600, duas portas (com eixo no pilar central, como no primeiro 500, dois anos depois), quatro lugares, motor traseiro a debitar 22 cv, caixa de quatro velocidades com primeira não sincronizada. Na imagem, o 600 D, segunda geração, lançada em 1960 e produzida até 1969. O motor tinha 767 cc e debitava 29 cv (Foto: Arquivo Fiat)
Não faltou a versão com tejadilho de abrir, também como no 500, uma lona de enrolar que se segurava com três presilhas. Os vidros traseiros eram fixos e as portas só em 1964 passaram a ter o eixo no pilar do para-brisas (Foto: Arquivo Fiat)
Mulipla 600, um monovolume dos anos 50 e uma solução inovadora em que o conceito suplantou a estética. As portas rodavam no mesmo eixo (Foto: Arquivo Fiat)
Notável o aproveitamento do espaço, num carro que mantinha a distância entre eixos e crescia 21,5 centímetros no comprimento (3,530 m). Chegou a haver uma versão com uma terceira fila com dois bancos! O vidro central já era de correr em 1955 (Foto: Arquivo Fiat)
A versatilidade do 600 Multipla permitiu que o pequeno monovolume tenha sido utilizado no serviço de Táxi em Itália (Foto: Arquivo Fiat)
Regresso à saga com o Fiat 126, dois cilindros de 594 cc e 23 cv ainda com motor atrás. Foi produzido entre 1972 e 1977 (Foto: Arquivo Fiat)
Entre 1991 e 1995, o Cinquecento alimentou a tradição do citadino. Era um tração dianteira com dois cilindros, 704 cc e 30 cv (Foto: Arquivo Fiat)
Na senda do Cinquecento, em 1998 e só até 2000 esteve em comercialização o Seicento, duas portas, quatro, lugares, motor de quatro cilindros com 899 cc e 39 cv (Foto: Arquivo Fiat)
Interior do Seicento era mais um exercício de criatividade, num claro apelo ao público mais jovem e feminino (Foto: Arquivo Fiat)

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A Fiat tem sobrevivido a momentos muito difíceis, mas isso é o outro lado da história numa vida recente de altos e baixos. Custa-me é pensar que a marca transalpina, numa gama menos alargada, se escuda e procura projetar na imagem e no simbolismo do 500 como se não tivesse outros ícones. Como o 600 e, por exemplo, o seu derivado Multipla, em rigor o primeiro dos monovolumes.

O novo Fiat 500 é, sem dúvida, um fenómeno. E percebe-se que a marca italiana, grande símbolo de Turim faça por rentabilizar uma designação que parece pretender tornar em algo parecido com o Mini, que ganhou carta de alforria, com êxito, sob administração BMW. É verdade que o 500 até se vende nos Estados Unidos, tem apresentações com pompa e circunstância em Los Angeles, e não apenas pela “associação” à Chrysler, primeiro, ao universo da stellantis, depois. Mas é possível desligá-lo ou deve-se resumir a Fiat a esta ideia do 500?

Estas coisas são pensadas por quem sabe e queimou as pestanas para saber, estudadas ao pormenor e assentes numa lógica que, regra geral, tem bases científicas. Logo, tudo para, em princípio, dar certo.

Não sei o que pensaria o velho “commendatore” Gianni Agnelli (…) Mas, provavelmente, não se escandalizaria se o 500X se chamasse 600… E não ficava bem? Haverá complexos na Fiat?

Mas não será redutora esta ideia de que o pequeno automóvel, fruto por excelência do reino de exceção da Fiat, intérprete maior deste conceito no pós-guerra, mas muito forte ainda nos anos 70/80, se confina à recuperação do 500? Eu conheço, e a história do automóvel (e da Itália) regista, o importante papel do minicarro da Fiat. Mas isso justifica tudo?

Tenho uma ligação muito especial com o mini da Fiat. Foi o primeiro carro da minha família e era tão importante que até nos permitia desfrutar de um descapotável – a capota era de lona de enrolar. Um deslumbramento para um miúdo, eu, e uma alegria para dois jovens, os meus pais… Não se esquece!

Era um automóvel para as novas famílias menos endinheiradas e a vida nem era fácil naquele altura em que a outras dificuldades havia de juntar-se a Guerra Colonial, que trouxe o que se sabe, mas também dificuldades no quotidiano.

O 500, peça, entre várias, do milagre industrial italiano, era um automóvel popular, em Portugal e noutros países menos ricos, mas esquecer ou minimizar o “papel social” do 600, o modelo acima e, esse sim, com outra capacidade enquanto “familiar” (já podia viajar com a minha avó ao lado no banco de trás), é qualquer coisa que eu não compreendo na política de designações da Fiat.

É verdade que, na sequência da moda que recuperou o Mini, trouxe o novo “Carocha” e ameaçou a recuperação do “Joaninha” da Renault, que chegou a ter um  protótipo rolante, quando do 50º aniversário do 600, em 2005, a Fiat recuperou a designação para um pequeno mini, com a particularidade de lhe chamar Seicento, na linha do interessante Cinquecento – espécie de sucessor do citadino 126. Também é verdade que pouco se deu por ele. Mas ainda é verdade que parecença alguma havia com o original… Do conceito restavam as duas portas! Terá pesado este insucesso?

Gostava de ouvir o antigo presidente do grupo, a objetividade do discurso e a informalidade do italo-canadiano Sergio Marchionne  – conquistam quem anda nestas coias há muito tempo. Tinha classe, era um líder, falava com convicção – e paixão – e até merecia capas das grandes revistas nos Estados Unidos, onde se criam ídolos com facilidade. Passou também a ser o diretor-executivo da Ferrari, capa que todos gostam de vestir. E parece sair-se bem…

Teve, com certeza, uma equipa de consultores de luxo, gente que domina a nova linguagem e outras tecnologias, aqueles para quem a apresentação de um novo modelo assenta hoje mais no software do que nas qualidades intrínsecas do automóvel. Mas haverá necessidade de estender a imagem da designação 500? A outra Giardiniera – a minicarrinha que durou 17 anos! -, com certeza, é pacífico. Até surpreende que não exista…Agora, a mais do que isso?

E outros se lhe seguiram até ao nascimento deste mundo que se chama Stellantis, no qual, sob a batuta de um português, até se fala da recuperação da Lancia.

Não sei o que pensaria o velho “commendatore” Gianni Agnelli, que também tive o privilégio de ver e ouvir, com prazer e atenção. Um grande senhor! Mas, provavelmente, não se escandalizaria se o 500X ou o 500L se chamassem 600… E não ficava bem? Haverá complexos na Fiat? Talvez por a Multipla ter sido recuperação menos bem sucedida da designação do 600 Multipla de 1955, pouco bonito, sem dúvida, mas prodigioso no conceito, considerando as dimensões.

Tudo isto interessa pouco, eu sei. Também podia falar, por exemplo, do 127 ou do 850 Sport para lembrar outros pequenos Fiat que marcam a parada de êxitos da casa de Turim ao nível dos pequenos carros. Ou do Panda já reinventado.

Qualquer “focus group” daqueles que as marcas reúnem para apreciar estas coisas, deitará por terra, provavelmente, esta minha ideia sobre o 600. Mas as grandes marcas, acho eu, também continuarão a alimentar-se de memória. Parece, infelizmente, que cada vez menos!

Não é só nos automóveis…

Entretanto, esperemos pelo próximo 500 qualquer coisa. Porque a Fiat continua a ter uma capacidade invejável na conceção dos pequemos automóveis! E para a marca, importante é que venda…  como para as outras.