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Um fiasco de sucesso

À entrada do pavilhão onde a Mercedes fez o lançamento mundial do novo Classe A, um alce dava as boas vindas aos jornalistas (Foto Mercedes)
Dieter Zetsche, presidente da Mercedes, disse aos jornalistas presentes em Amesterdão que não era preciso lembrar a razão de terem encontrado tantos alces no caminho...(Foto Mercedes)
Em Janeiro de 1998, o Classe A passava no Teste do Alce e o ESP começava a ganhar a importância que o tornou obrigatório na Europa a partir de 1 de Novembro de 2014 (Foto Mercedes)
Os jornalistas que fizeram o Teste do Alce ao volante do Classe A, em Montpellier, com um piloto da Mercedes ao lado, receberam um certificado de "aprovado". Foi o caso de Celso Matos, então ao serviço do "Correio da Manhã". O fundo do documento é a sombra da cabeça de um alce...(Foto Mercedes)
Tudo se recompôs, o Classe A acabou por afirmar-se como um sucesso e chegou a 2004 com 1,1 milhões de unidades vendidas (Foto Mercedes)
Vinte anos depois, comparar o interior do primeiro e do atual Classe A é tomar consciência do progresso e dos novos caminhos da indústria automóvel (Foto Mercedes)
As formas do monovolume valorizavam a habitabilidade e proporcionavam outro espaço para quem se sentava no banco traseiro (Foto Mercedes)
Na sua aposta nas novas tecnologias e na pilha de combustível em particular, a Mercedes incluiu o Classe na "família do hidrogénio" (Foto Mercedes)

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A recente apresentação do novo Classe A deu até para a Mercedes lembrar, com humor, um acontecimento de há 20 anos que considero o grande fiasco de sucesso na história recente da indústria automóvel. Claro, trata-se do famigerado capotamento do primeiro modelo da família no chamado Teste do Alce – que não foi um mas três, um deles em Portugal – e a forma notável como a marca deu a volta ao texto. O “dieselgate” é outra coisa…

Quando vi o alce acastanhado em tamanho natural, a dar as boas-vindas aos jornalistas, à porta do grande pavilhão fabril que serviu de palco, em Amesterdão, ao lançamento mundial, com toda a pompa e circunstância, do novo Classe A, não pude deixar de sorrir. E nem fui o único, até televisões deram protagonismo ao “boneco” que havia de chegar ao discurso, como de costume bem humorado, de Dieter Zietsche, o qual nunca se furta a ser (excelente, diga-se) protagonista dos filmes promocionais que têm marcado estas ações da marca alemã, no seu consulado. “Não preciso de vos explicar porque encontram hoje tantos alces no vosso caminho…”, dizia o presidente da Mercedes, com um sorriso acentuado pelo seu exuberante bigode branco.

O estado de espírito dos responsáveis pelo emblema da estrela das três pontas era bem diferente em 1977, quando os suecos da TekniKens Värld viraram o primeiro Classe A ao submetê-lo ao chamado Teste do Alce, uma dura prova de transferência de massas, a exigir duas guinadas bruscas no volante, em sentidos opostos, a 60 km/h, num percurso de 50 metros. As coisas complicaram-se ainda mais depois dos ingleses terem repetido a graça e, a bem dizer, atingiram o clímax quando uns jornalistas deste cantinho do fim da Europa provaram que não há duas sem três. E à terceira, foi de vez…

A revista Turbo, já então dirigida pelo meu amigo Júlio Santos, levou um Classe A para a pista da Ota e com o inevitável Francisco Sande e Castro ao volante repetiu o Teste do Alce de acordo com as regras e o desfecho foi o mesmo: carro de rodas para o ar.

Em pouco tempo, a Mercedes reagiu. Recolheu as unidades vendidas, suspendeu a comercialização e no início de 1998, praticamente três meses volvidos, convidava os jornalistas para ver o Classe A fazer com distinção o Teste do Alce

Os responsáveis da Mercedes, numa primeira fase, pareceram minimizar o facto, depois manifestaram alguma surpresa e desagrado face aos comentários que se sucederam na generalidade dos meios de informação – muitos, como se calcula, por todo o lado e com estrondo. E, quando digo que não gostaram de alguns comentários, entendo que, a quente, reagiram a despropósito. Como escrevi, então, no editorial do Milhas, à altura o suplemento das sextas-feiras no Diário de Notícias, tinha de considerar-se inacreditável que uma marca com os pergaminhos da Mercedes pusesse na rua um automóvel incapaz de passar num teste que, todos sabiam, inevitavelmente iria ser feito (os suecos criaram-no em 1970).

Tudo isto se deu num período de tempo relativamente curto e pouco depois do lançamento do pequeno monovolume, uma revolução na indústria e na história da Mercedes, que apresentava o seu primeiro tração dianteira. E também em pouco tempo, a Mercedes reagiu. Recolheu as unidades vendidas, suspendeu a comercialização e, no início de 1998, praticamente três meses volvidos, convidava os jornalistas para ver o Classe A fazer com distinção o Teste do Alce na pista de Mireval, em Montpellier.

A questão foi resolvida com o recurso ao ESP, controlo eletrónico de estabilidade, então, como recordou Dieter Zetsche em Amesterdão, tecnologia reservada ao exclusivo Classe S, e também com um endurecimento das molas traseiras que, dizia-se na altura, penalizou o conforto do pequeno monovolume.

A vantagem de reconhecer o erro

O brilho da estrela de três pontas ofuscou tudo isso. A ação pronta da Mercedes, o reconhecimento do erro e a afirmação de que o problema ía ser rapidamente resolvido, como foi, caíram bem. O Classe A recomeçou a vender com resultados comerciais que justificaram a mesma solução estética para a segunda geração. E para a história dos números fica qualquer coisa como 1,1 milhões de unidades vendidas. É obra!

Um fiasco já de dimensões globais transformava-se num sucesso. Foi uma lição para a própria Mercedes que deve, afinal, ter tomado ainda mais consciência da importância de ser Mercedes! E por isso, hoje, pode dar-se o luxo de lembrar o caso com uma pontinha de humor. Sem soberba, também, o que deve assinalar-se.

O recurso ao ESP começou a democratizar-se com este caso e os sistemas eletrónicos de controlo de estabilidade, que não pararam de evoluir, acabaram por ser tornados obrigatórios na Europa, a partir de 1 de Novembro de 2014. Não devia ter sido preciso esperar tanto tempo, mas a culpa não é da Mercedes. No mundo automóvel, 500 euros ainda é muito dinheiro…

A Mercedes EUA tem no Youtube um vídeo esclarecedor sobre o ESP. Aqui fica!

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